quinta-feira, 12 de outubro de 2017

NEGRA MARIAMA

Sou devota!
Devotíssima!
Uma devoção daquelas bem católica popular láaaa do fundo das Minas Gerais!
De novena, procissão e rosário e terço...
Todos os anos desço na hora da motociata e fico lá no portão, segurando a imagem. E sempre a mesma emoção forte que me faz lágrimas sem mesmo que eu perceba...
A imagem, os agradecimentos, os pedidos. 
Várias imagens pela casa.
Pequenas, grandes, plástico, pedra sabão, gesso. 
São como fotografias de uma mulher que nem sei como classifica...
É mais que mãe!
É uma força grande que entusiasma, "Deus dentro"! 
Deus que é força de vida habitando todas as vidas!!!! 
Força que circula, que impulsiona, que mobiliza, que se faz em diversos jeitos que o povo enxerga!
E com ela é assim!
Amor!
Essa energia grande que me atravessa de um jeito único!
Nomeando minha fé!
Me entregando ao mistério...
Refazendo-me diante da grandeza do Sagrado...
Meu Sagrado que não mais encontra templo...
Meu Sagrado que é um tanto de encontros de acreditar.
Acreditar nas divindades de cada ser que me afeta
Acreditar num Reino de vida construída no dia a dia de cada passo da caminhada do povo de Deus.
Da Deusa.
Dos Deuses.
Das Deusas.
De Todos.
De Um.
Dela!
Não há nada que leve à Ela que não chegue no tempo.
No jeito.
No ritmo.
Mariama... Conceição.. Oxum... Aparecida!!!!
Aparecida Preta
No tempo de Preto
No tempo de dor.
Aparecida Preta
Da pele de preto
Da pele...
Da fé...
Negra Mariama.

Sou Devota.
Devotíssima!


terça-feira, 10 de outubro de 2017

Qual sabonete você usa????

Lembro bem do comercial que falava da marca de sabonete para todas as mulheres... Nele, várias modelos dançavam em meio à tecidos esvoaçantes e o lema do anúncio dizia que o tal sabonete era para todas as mulheres, porém, na tal dança não existiam mulheres negras...

Dessa vez a marca não só insistiu no tema da invisibilidade de corpos negros, como também associou esses corpos negros à um processo de branqueamento ilustrado pela associação da pele negra à sujeira.

O recente comercial não chegou a circular no Brasil, mas ainda assim nos “cansa a beleza. ” Isso cansa. Cansa esses corpos sem lugar e cansa o espírito de quem caminha nessa diáspora sempre tendo que anunciar ao mundo sua humanidade. Sim... Mulheres negras são gente! Mulheres negras sentem, pensam, consomem, trocam, simbolizam... E, nessas simbologias, aquilo que é atribuído a esses corpos sempre o são de modo a desmerece-los diante do padrão de humanidade estabelecido pelo branco.

Espanta à um grupo expressivo de pessoas que o tal comercial tenha sido aprovado.... Pensa-se nos envolvidos em todo o esquema de produção. Desde o fotógrafo até o editor, passando pelas duas modelos, uma negra, outra branca...

Importante dizer, que no caso em questão, a modelo negra disse não ter sido informada de que a edição das imagens teria o resultado que teve... Mas, independente disso, a verdade é que corpo negro se aprende no lugar do desmerecimento, aprende tanto que já nem o percebe, pois que esse é o único lugar que conhece, mesmo quando há a falsa sensação da mobilidade social... Move-se entre espaços sem que os lugares se alterem, sem que as estruturas se afetem.

Sim! O Racismo é superestrutura. Na medida em que envolve a cultura, o poder político, a economia, os ritos sociais essa superestrutura tem como sustentação a ideologia que compreende e determina que os diferentes corpos não devem circular de igual maneira pela sociedade. Tal circulação deve então ser demarcada por imaginários e símbolos que distribuam diferentes papéis e diferentes possibilidades de fruição da vida cotidiana.

(Usu)fruir a beleza presente na concepção de um comercial de cosmético não é o papel/lugar destinado à corpos de mulheres negras... O protagonismo na beleza não foi pensado para essas mulheres a não ser que essa beleza esteja associada a apelos sexuais ou ao exotismo. Mulheres negras são vistas como negras, quase nunca como mulheres.

E, voltando lá na superestrura sustentada pela ideologia e relacionando-a ao tanto de pessoas que estiveram diante da tal peça publicitária da marca de cosméticos, e não se incomodaram, em nada, com o texto dito através daquela imagem, tem me intrigado o modo como os brancos se eximem de sua responsabilidade diante de situações como essa.

Ah... O Branco... O frágil, o ofendido, o inocente branco... Nunca foi isso. Nunca é bem assim. Nunca é aquilo de fato o que se quis dizer. Nunca é aquilo que está acontecendo. Nunca é ele. Em situações como essa nunca são os indivíduos, e tão pouco se reconhecem como coletividade. E, nesse cenário, é impossível vislumbrar um enfrentamento coletivo ao racismo porque socialmente não existe coletividade entre brancos e pretos. Os pretos são vítimas do racismo e só.

Não há quem o sustente. Não há quem o opere. Não há quem o reproduza. Não há rostos. Não há nomes. Não há identidades. Há apenas a vivência de uma opressão que se engendra por sujeitos fantasmas que nunca estão conduzindo as realidades de subjugação, exclusão, desmerecimento, adoecimento e morte.

Lidamos com o racismo no Brasil como uma entidade que, concretamente, nem se sabe de onde surge. Porque ninguém é racista. Todo mundo é bacana. Todo mundo tem uma amiga preta. Todo mundo lida bem no meio dos pretos. Todo mundo gosta, aprecia a cultura dos pretos. O racista feioso não tem cara e não é ninguém. Há a consciência de sua existência. Mas, de fato, ninguém sabe quem ele é. Mais que isso, nenhum Branco, de maneira individual, é ele.

Desconsidera-se a ideologia que sustenta a superestrura na medida em que as ações individuais não são consideradas como operadoras de um sistema de opressão. As ações individuais de frequentar determinados espaços onde não há negros, de consumir produtos ou lugares que incentivam o racismo, de não circular por espaços “de preto”, de se associar afetivamente à indivíduos que têm práticas explicitas de racismo, não são vistos como racismo.

Nunca se questionar sobre a ausência de pretos nos espaços de poder já é praxe brasileira. E, junto dela, há também o descompromisso de não se questionar também sobre a ausência dos pretos nos espaços de poder de cada pessoa branca, nos espaços de afeto que ela constrói no cotidiano.

Onde estão, Branco, os pretos da sua vida? Quais são seus lugares de poder e de afeto? Quais são as partilhas que vocês têm? Como ele atravessa seus territórios brancos??? Qual sabonete você usa???

Interessa-me contribuir para que a discussão do racismo saia da superficialidade em que se encontra, quando consideramos a sociedade brasileira, para que tenhamos possibilidade de enfrenta-lo. Não tenho a pretensão, e muito menos o desejo, de ensinar a minha dor e a do meu povo. Não mesmo. Mas quer saber? Tô bem cansada de, nesse caminho do enfrentamento ao racismo, olhar pro lado e só ver cara preta, como se apenas nós fôssemos responsáveis por alterar esse estado de despersonalização da existência em que estamos submetidos desde que essa história começou.

Isso cansa.




quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Francisco e os Aos




Salve Francisco de Assis!!!
Proteja aos meus,
aos da minha vizinha, 
aos que estão na esquina,
aos que já foram,
aos que ainda vão chegar,
aos saudáveis, 
aos que não têm saúde,
aos grandes,
aos pequeninos,
aos grandalhões,
aos mininúsculos,
aos que têm pêlo,
aos que têm escamas,
aos que têm penas,
aos alegres,
aos ranzinzas,
aos endiabrados,
aos sossegados, 
aos orelhudos,
aos bigodudos, 
aos que não têm rabo,
aos muito amados, 
aos que não conhecem o amor,
aos acolhidos,
aos perdidos, 
Proteja aos meus que estão aqui,
Proteja aos meus que estão pelo mundo, 
TODOS ELES!!!
Salve Francisco de Assis!!!!
Salve a delicadeza
Salve a doçura 
Salve a radicalidade dos ideias
Salve a Fé!
Salve a coragem de deixar-se a si
para ser com todos!
Salve a vida!
Salve o amor pela vida,
Salve todas as vidas dessa vida...
Salve Francisco de Assis!!!!!

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Pintos e Xoxotas: apenas corpos sejam



O problema é o pinto?

Balangandante pinto. Intrépido pinto.
Protejam o pinto.Escondam o pinto.
Não falem do pinto.
Sobretudo, não mostrem o pinto.

Ser mostrado é coisa de xoxota
Varia em ser objeto.
Toquem-na. Exponham-na.Falem dela. Xinguem-na. Ponham nela maus odores.
Disponham das xoxotas e não deixem que os seres de corpos xoxotas decidam nada! Não deixem que os corpos xoxotas toquem as xoxotas. Sintam as xoxotas. Embriaguem-se xoxotas. Não pode! Não deixa! Tira a mão daí!
Calem as xoxotas. Tirem dela seu prazer. Enfeiem-na.

E, sobretudo, escondam o pinto. Ameaçador pinto.
Cubram-no e evitem problemas!
Evoquem-no. Idolatrem-no.Cocem-no.

Ó, o Pinto!

Crianças! Cuidado com o pinto!
Tomem-se de peitos, bundas, xoxotas,
Pernas, braços, abraços, carícias, encontros,
Mercados, consumos, pincéis, saltos, armas,
Assaltos, violações, desproteções, desamores...
Mas não saibam do pinto.

Ó, o Pinto!

Tornem-no um mistério! Discursem-no!
Mantenham o poder do pinto!
Pinto dominador. Pinto opressor. Pinto subjugador. Pinto hierarquia
Pinto feitiche. Pinto abusivo. Pinto explorador

Ó! O pinto!

Rompam-no. Quebrem seus escondidos. Anunciem seus não ditos.
Mostrem-no! Liberem-no! Dessacralizem-no! Simplifiquem-no!



Empintecer a xoxota? Ou Xoxotizar o pinto?

Corporaliza-los! Irmana-los! Transcende-los!

Libertem-se vaginas
Libertem-se pênis
Apenas corpos sejam!