“Comendo” Quintana
dedico àquelas
Que
feias, passarão. Enquanto eu cá, Passarinha!
Escrevo
tendo em mente algumas pessoas, mulheres, a maioria, com quem tenho que li(dar
...) e reflito sobre seus corpos retesos que anunciam um modo de estarem na
vida. Não estando. Não entregando. Não dando. Elas não dão. Sabe gente que não
dá? Então. São elas!
Mas
cá você aqui! Não se iluda pensando que cá eu estou aqui falando do dar da convencionalidade.
Sim! Penso em pernas, suores, fluidos, entradas e saídas, mãos, gemidos,
odores, sussurros, gritos, afagos, puxões, mordidas, melodias e palavrões que
não se encerram na genitália de um sexo prescrito e descrito.
Penso
nisso sem reter-me nisso para não transformar-me naquelas que acreditam que
quem vive sem sexo não vive, como se vida fosse genitália, vibrador e orgasmo.
Mais! Como se um desses estivesse subMETIDO a qualquer outro desses. Como se
outro só existisse pela via do um. Penso nisso repousando o pensamento em quem
dá para além do sexo, e tem o sexo como apenas uma das formas de dar. Ou de
comer. Ou de tudo ao mesmo tempo. Ou de um de cada vez.
Dar.
Penso em dar pensando naquelas que não dão. Não dão porque não experimentam
fluxos, fluidos, idas e vindas, suores e palavrões. Não dão. Isso. Simplesmente
não dão. Podem ATÉ fazer sexo. Mas não dão porque não se dão, não misturam no
entra e sai que a vida dá. É sim. A vida dá! Adora dar! Sabe dar! Mas elas, as
feias, elas não. Não dão pra não bagunçar
o cabelo e pra não perder o controle do corpo reteso. Arrumado. Cheiroso.
Penteado. Impecável. Porque uma coisa não tem nada que ver com a outra. Corpos desalinhados
nem sempre anunciam desajustes diante do que a vida dá. Ou come.
Mas
elas, essas feiosas, não entendem! Não entendem nada sobre dar! Sobre abrir as
pernas, o corpo, a mente, a alma. Nada se abrem, as feiosas, porque ao abrirem-se
o entra e sai pode tomar conta, e diante do entra e sai nem sempre há controle
de ritmos, fluidos, sussurros e orgasmos. Porque orgasmo descontrola, porque
orgasmo tensiona e alivia, tal como é a vida. Tensão e alívio.
Tanto
não entendem que dia desses vi numa dessas bocas que não sabem dar, o lema de
uma ação de resistência diante de uma prática do período da ditadura militar
brasileira (entre o início dos anos 1960 e meados dos anos 1980) “ninguém solta
a mão de ninguém”. Que mão? Que mão seguram? A quem protegem suas mãos? A quem
afagam? A quem se dão?
Logo
após as desastrosas eleições gerais brasileiras de 2018, um grupo de estudantes
da USP se reuniu num dos pátios da entidade para ouvirem três intelectuais:
Vladimir Safatle, Marilena Chauí e André Singer falando sobre os possíveis rumos do Brasil
diante da ameaça fascista. Em sua fala, Chauí narra o contexto que fez nascer a
frase/lema “ninguém solta a mão de ninguém”. Segundo contava, havia uma
prática recorrente da repressão, quando, em meio aos estudantes, em locais como
salas de aulas, ou qualquer outro ambiente fechado, apagarem as luzes e
desaparecerem com pessoas antes que a iluminação retornasse. Como resistência à
isso, os grupos começaram, então, a darem-se as mãos e repetirem a frase “ninguém
solta a mão de ninguém” para então se protegerem dos “sumiços” provocados
pela repressão.
Diante
da narrativa de Marilena já posso dizer que, quem não dá, não entende nada do
que é, de fato o “ninguém solta a mão de ninguém”. E se não entende não
está autorizada a sair por aí anunciando-se como parte disso. Não soltar a mão
da outra, do outros, e deles todos vem de um lugar que, primeiramente, demarca resistência
e opção política! Quem estava ali resistindo ao sumiço de mãos dadas com o
companheiro (aquela que come o pão junto), o estava por colocar-se em oposição
à uma determinada lógica de gestão do Estado e da democracia...
Quem
estava ali, na escuridão, segurando a mão que estava ao lado, estava, na
verdade, dando a mão para a possibilidade da democracia, do direito, da denúncia
ao abuso de poder e à violação da vida. As mãos dadas no escuro eram muito mais
do que um desenho em preto e branco circulando por bocas de corpos que não
sabem dar!
Dar-se
a mão no escuro buscando a sobrevivência de todo mundo é uma atitude de quem
sabe dar! De quem abre as pernas, a mente e a alma! De quem se entrega aos
fluidos, sussurros, gritos, ao ir e vir, as entradas e saídas, aos tremores,
aromas e tensões aliviantes. Para não soltar a mão é preciso, primeiro, pegar
na mão, oferecer a mão, esfregar uma mão na outra, entrelaçar os dedos no
desejo de alinhavar as vidas.
Quem
não sabe dar não consegue fazer isso! Não segura nada. Não entende nada. Não se
atravessa por nada, porque não se abre em nada. Fica feia. Não feia porque não
tem sexo. Ás vezes até tem. Feia porque nem no sexo consegue dar. Se dar. Se
trepar. Se gozar! Feia. Elas feias porque não encontram corpos que se seguram
no escuro de mãos dadas, se dando uns aos outros. Entre falas, lambidas, vozes
e desejos! Desejo que move os corpos em direções diversas nessa movimentação de
dar! Dar, ao outro, à outra, com o outro.
Antropofagizar
os desejos que nos cercam só é possível a quem sabe dar. Dar-se. Se dar! E
dando, abrindo-se no entra e sai é que mora a potência de não soltar a mão de
ninguém, porque essas mãos já passaram pelos corpos úmidos dos fluidos e suores
de quem se dispõe a encontrar-se! A afetar-se! A atravessar-se pela outra!
Só
quem dá gostoso é que sabe o jeito certo de segurar a mão da outra no escuro
que ameaça, e que no junto liberta! Só dando é possível compreender que antes
de não soltar a mão é preciso tê-la estendida na direção da vida que salta dos
muitos corpos que nos cruzam o caminho.
Elas
feias não sabem dar. Retêm-se em corpos hirtos, morridos achando que vivem. Repetem
a frase que Marilena explicou “ninguém solta a mão de ninguém” sem
olharem-se, nem diante do espelho, porque o espelho delas não reflete o além
dos corpos, para compreenderem que, na verdade, por não saberem dar, não
seguram a mão de ninguém.
Não
são nada! Só corpos retesos, arrumados, aromatizados com as mãos abanando.
Vazias de dar-se... Ao vento, repetindo frases sem atravessar-se por elas.
Uma pena. Coitadas
delas... Feiosas. Passarão... Nunca, Passarinhas...